A Patada no Coração
Ele aproximava-se de mim a farejar o chão. Quando já estava próximo, parou, levantou o focinho e ficou a olhar-me nos olhos. A sua pelagem branca suja e encaracolada chamava por mim para eu lhe abraçar e fazer festinhas. Abaixei-me e, chamando-o, aguardei que viesse até mim. Ele alegremente abanou a cauda e veio, correspondendo assim à minha chamada.
Gosto muito de cães meigos e facilmente me perco quando eles me aceitam como amigo. Este cão não era como os outros que conheci. Eu sabia que havia algo de especial nele. Fiquei muito feliz porque aquele era um cão que estava aos cuidados do meu pai. O meu pai também parecia gostar dele.
Agora sabia que cada vez que fosse visitar o meu pai, iria encontrar a coisa mais fofa que já tinha visto na vida. Era um motivo a dobrar para ir até à casa do meu pai. Ali podia ser beijado louca e docemente por aquele pequeno e adorável animal. Quase que relegava o meu pai para segundo plano.
Cada fim de semana que visitava o meu pai era agora para mim uma coisa muito feliz. Eu brincava com o cão, corria na sua companhia, quando não o via chamava-o e ele logo vinha ter comigo. Pensando bem, era uma paixão mútua. O tempo que passava com ele, éramos inseparáveis.
Certo dia, em uma das minhas visitas ao meu pai, achei estranho ele não se encontrar em casa. Procurei ver algo através das janelas, fui até à horta que ele cuidava, espreitei pela janela da fábrica velha e nada. Não havia sinais do meu pai, nem sequer do cão branco de pelo encaracolado. Esperei e esperaria o tempo que fosse preciso.
Quando, por fim, escutei passos a aproximarem-se de mim, encarei o meu pai que pouco falou quando me viu. Cumprimentamo-nos como habitualmente e logo perguntei pelo cão. Ele olhou para mim e abanou a cabeça, dizendo que o tinha perdido no mercado local onde tinha ido. Eu não podia acreditar.
Teria ele uma vez mais abandonado um cão que eu tanto gostava? Deixei inconsolável a companhia do meu pai e fui até um monte onde sozinho chorei horas a fio, sem conseguir esgotar as minhas lágrimas. Sei que um cão como aquele não voltaria a encontrar. Cães há muitos, uns melhores outros piores. Mas nunca mais consegui amar um cão em toda a minha vida. Gostar sim, mas amar não.